Porque abandonamos tanto os detalhes?
4ª Coluna para o Jornal - O Liberal, publicada em 05/05/2024
COLUNAS - O LIBERAL
Caroline Alves, com revisão de Tay Marchioro
5/5/20243 min read


Porque abandonamos
tanto os detalhes?
Sou do tipo de arquiteta que ama muitos estilos arquitetônicos e defende que sua casa tem que ter sua cara, já para ambientes de trabalho ou comércio costumamos seguir uma linha de pensamento diferente. Mas o que tenho observado bastante é que fomos perdendo nossa identidade ao longo do tempo, adotamos com força o princípio do “menos é mais” empregado pelo movimento minimalista das décadas de 50 e 60.
Estive passeando por Belém na última semana e, ao caminhar pela Praça da República, me deparei com um contraste muito forte entre uma arquitetura do século XVIII e alguns prédios ao fundo, frutos da arquitetura moderna. É gritante a diferença de estilos e deixa muito claro que essa retirada dos ornamentos de fachadas alterou para sempre a paisagem urbana. O minimalismo nos foi vendido como uma arquitetura simplificada e elegante, eficiente e acolhedora, graças à retirada dos adornos excessivos. Mas será que é isso mesmo? Bom, com um bom projeto podemos chegar a esses resultados, sim. Que fique claro que não odeio o modernismo e minimalismo, somente o mau uso deles (risos). No entanto, esses estilos também abriram enormes precedentes para uma arquitetura produzida em massa, sem identidade e sem diferenciais.
Pode-se dizer que o minimalismo na arquitetura surgiu também de uma necessidade de obras mais rápidas e que dispensassem de menos manutenções, o que é realmente um ponto importante e interessante. Porém, este mesmo quesito é um prato cheio para construtores que passaram a reproduzir e vender a mesma casa para centenas de pessoas diferentes. Cada vez mais, nos deparamos com casas “caixotinhos”, sem volumetria interessante, sem um ponto diferencial ou identitário que a destaque das demais e também sem uma planta interna que considere individualidades da família e especificidades do terreno. A necessidade de acompanhar o que é “moderno” e fugir do que é “brega” faz, por vezes, criarmos designs pobres e repetitivos que nada tem a ver com a real personalidade da família ou que não trazem um marco interessante para um estabelecimento comercial.
Trazendo essa reflexão para o design de interiores, ao meu ver, uma casa sem ornamentos internos pode até mesmo refletir uma arquitetura fria, ausente de elementos afetivos ou que representem algo mais profundo aos seus residentes, uma casa de paredes limpas é uma casa que não gera identificação com quem ali reside. Inclusive, deixo aqui o ponto de que eu faria uma casa extremamente minimalista se assim fosse o conceito exigido para um Airbnb, por exemplo. São espaços onde não há necessidade de identidade, porém podemos usar a arquitetura como um atrativo e diferencial. Os clientes podem chegar até nós com uma casa de revista como referência, sendo que não é aquilo que de fato funcionaria para suas famílias. Talvez não fosse a sala perfeitamente organizada e intocada ou o quarto sem armários que supriria a necessidade do lar. E, nesse quesito, quem possui pets ou crianças em casa já deve ter entendido do que estou falando.
Então porque abandonamos tanto os detalhes? De onde surgiu a necessidade de construirmos casas tão parecidas? Podemos ser modernos sem sermos iguais. Podemos ter uma casa sem excessos, mas sem abrir mão da sua personalidade. E podemos, também, ter uma casa cheia de crochês, decorações afetivas, lembranças de viagens sem sermos chamados de brega. Tudo isso reflete quem você é e o que faz sentido para você. Eu prego muito a palavra da casa confortável e acolhedora, onde cada cantinho te traz uma memória, te acalenta e te proporciona também, além do descanso, viver histórias..

